31.5.13
28.5.13
s/t
Gosto
tanto de homens. Gosto tanto de mulheres. Quer dizer, não é que goste
de homens e de mulheres, o que eu gosto é da ideia de que gostaria que
fosse possível gostar de gente. Colijo-os um a um, uma ocupação como outra qualquer. Saio à rua e tento,
nas filas, nos cafés, no supermercado, nos transportes públicos, no
jardim, tento observar detalhadamente o rosto de todos, mas nunca sou
capaz de o fazer. Olho de través, sinto medo de que percebam que estou a
tentar levá-los para casa, sinto medo de que percebam que os quero levar
para dentro do meu ensimesmamento, essa vitrine tão vazia e tão
heterogénea.
às
13:24
26.5.13
modigliani [III]
Clarice Lispector, em entrevista arquivada,
disse: «Eu não sou solitária, não, eu tenho muitos amigos. E só estou
triste, hoje, porque estou cansada; em geral, sou alegre». Foi o rosto
de Clarice Lispector, afiado como uma faca, que proferiu estas palavras.
Depois, deitou os olhos ao chão e ficou ali, em grande silêncio, a
esconder muito mal o isolamento profundo das mulheres afiadas, sós e
tristíssimas de Modigliani.
às
13:28
25.5.13
modigliani [II]
Amedeo Modigliani morreu,
muito pobre, com 35 anos. No dia a seguir à sua morte, a mulher dele,
Jeanne Hébuterne, grávida de 9 meses do segundo filho de ambos, mulher
de olhar firme, aquele olhar que rasga de baixo para
cima a linha do horizonte, atira-se para a morte de um quinto andar.
Tinha 21 anos. Viveram tudo o que tinham para viver; num certo prisma,
alcançaram cedo a maturidade de viver uma morte muito velha.
às
13:41
tanta gente|mariana
- Estou só, pai. Não é mais nada. Dei porque estava só e isso pareceu-me... Que parvoíce, não é? Estou agora só.
[...]
- Também deste por isso - disse brandamente. - Também deste por isso. Há gente que vive setenta e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze... Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.
CARVALHO, Maria Judite de, 2010, Tanta gente, Mariana, Lisboa, ed. Ulisseia (Babel), p.20.
às
13:40
modigliani
Inúmeros os exemplos de mulheres poderosas que habitam no seu próprio olhar, nunca ou raramente tendo saído dele na direcção das coisas visíveis do mundo. Estou-me a lembrar de algumas destas mulheres que, por medo de me esquecer de apenas uma que fosse, e pudor de não ser capaz de as sublimar como merecem, não me atrevo a nomear numa só frase. Estas mulheres são como o lume brando que levamos no corpo da lareira até à cama fria. Vão emergindo da nossa boca e das nossas mãos aos poucos, como os goles de bom vinho saboreados lentamente. Todas habitam nos seus próprios olhos protegidos, na maioria dos casos, por um sobrolho determinado e pálpebras que nos lembram, semideitadas, a Aurora de mármore de Michelangelo Buonarroti. Esta tarde dei início, pela primeira vez, à leitura de uma destas mulheres. As mulheres mais poderosas que eu conheço choram por dentro para ainda mais dentro. À 36ª página de Tanta Gente, Mariana, já eu chorava para fora sobre a minha gata preta. Tenho o sobrolho cansado (que muitos confundem com determinação), tenho as pálpebras negras e ensimesmadas, feitas de papel frágil (que muitos confundem com segredo e intimidade profundos), habito demasiadas vezes fora da escuridão macia dos meus olhos, genuflicto a estas mulheres que me fazem chorar com visibilidade; ao contrário destas mulheres completas, inteiras, como estátuas vivas de mármore esculpidas para sempre, sou uma mulher fraca, mortalmente para sempre.
às
13:38
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