«(...) enquanto em mim houver que arder.»
Livro de Memórias | Ed. Assírio & Alvim | Agosto 2001 | p.49
ocupações de bolso
and all i loved i loved alone
5.12.13
3.12.13
1.12.13
pruitt–igoe não vem em vitrúvio
No seu Livro VI, p.219, [Trad. M. Justino Maciel], Vitrúvio cita Teofrasto a propósito da importância do conhecimento e da sabedoria como condição de melhor adaptação do cidadão ao mundo inteiro: "Sozinho, o douto não é peregrino em terras estranhas, nem tem falta de amigos quando perde os familiares e as pessoas íntimas, mas em toda a cidade será cidadão, e sem temor poderá desdenhar os penosos reveses da fortuna; e quem se julgar protegido, não pelo saber mas pela confiança nos bens materiais, viaja por caminhos inseguros e arrisca-se a uma vida instável e dolorosa". Há sempre uma passagem qualquer de Vitrúvio que encaixa perfeitamente nesta ou naquela passagem da minha vida. Leio-o e compreendo-o plenamente e procuro, de seguida, aplicá-lo, seguindo com respeito aquilo que ele entende como princípio fundamental e justificativo da teoria arquitectónica: a colocação em prática de todos os pressupostos teóricos. Ora, e no que à citação acima diz respeito, o problema reside aqui mesmo: na hora de meter em prática, por esse mundo fora, o princípio egrégio do conhecimento e da sabedoria, o conflito instala-se: como encara a realidade do mundo de hoje a sombra ameaçadora e persecutória daquele que não tem mais para dar a não ser, antes de tudo, o amor solitário e louco à sabedoria? Em Vitrúvio encontram-se respostas e soluções para este conflito, mas Vitrúvio, ao contrário do mundo actual da minha vida, é um Tratadista que aponta para soluções de Construção harmoniosa; já o mundo actual da minha vida está mais para as sequências desconstrutivas caóticas, sem controlo algum, à maneira do Koyaanisqatsi de Godfrey Reggio. Meu sábio, pobre pobre Vitrúvio.
às
02:33
29.11.13
andrei
Por exemplo, esta cena. Uma cena de segundos
e, no entanto, uma cena que dura o tempo de um poema longo no seu estado
mais puro. Andrei Rublev, de Andrei Tarkovsky [1966], é mais do que uma
obra-mestra. É o eterno retorno da busca da obra-mestra.
Sei-a em toda a parte e, no entanto, ao lado de Andrei, tal como
Andrei, procuro-a em toda a parte. É do toque do sino que ela acabará
por se revelar. Aquele toque muda tudo. Tudo o que é invisível passa a
ouvir-se. De súbito, não é a imagem, mas sim o som que muda tudo.
Através dele, passamos a ver.
às
23:43
21.11.13
escrivaninha
Há
quase vinte anos que não me sentava tantas horas seguidas nesta
escrivaninha. Hoje percebi que fui muito mais útil durante os anos em
que o meu irmão me dizia que uma pessoa sentada numa escrivaninha não
serve para nada. Ironicamente, todos os planos que tracei sentada nesta
escrivaninha nasceram com toda a vitalidade e utilidade do mundo, utilidade jamais
exequível desde que dela decididamente me levantei, mas ao contrário de
Lázaro, para tudo deixar morrer no caminho.
às
23:41
19.11.13
s/t
Existem
páginas pessoais virtuais e existem páginas pessoais virtuais oficiais. Uma página
oficial de uma pessoa é como a imagem decretada de uma pessoa. Nunca
poderia ter uma página ou um diário oficiais, porque, das coisas às
pessoas, das pessoas aos sentimentos, não suporto nada neste mundo que
seja decretado. Nem a morte, contra a qual me revoltarei sempre, ainda
que saiba que, por mais voltas que dê, me ganhará no xadrez.
às
23:40
17.11.13
onde não ter medo
Cheyenne: - Devemos escolher um momento da nossa vida, apenas um, onde não devemos ter medo.
Rachel: - Já escolheste o teu?
Cheyenne: - Já. Este momento.
[Enquanto os dois conversam, três jovens rapazes mergulham, calados e destemidos, na água inesgotável do rio. Ouve-se, vinda do fundo desta partícula de filme, a peça Spiegel im Spiegel, de Arvo Part. Um dos muitos momentos das fitas sempre enormes de Paolo Sorrentino.]
This Must Be the Place | Paolo Sorrentino |2001
às
23:33
15.11.13
não-lugares
Esta peça. A juntar à minha autobiografia. | Com o maior agradecimento ao David G. Santos por, entre tantas outras possibilidades e dificuldades, ser capaz de transformar nada em tudo.
às
23:29
13.11.13
a mãe
Leio, pela noite dentro, o livro A Mãe, de
Maximo Gorki. Deixo-me chorar de vez em quando, porque me comovo sempre
muito nos sonhos dos outros, no modo gigante como quantos pequenos Homens
(e tão poucos, afinal, para a imensidão do mundo) souberam
criar tanto e tão bem em torno de nada e para nada: porque o sonhador é
o enorme criador de tudo afinal para nada, de tal modo o sonhador nasce
para a orfandade total do mundo, de tal modo o sonhador nasce apenas
sozinho para si mesmo, num mundo sem apoio dos Homens em geral e
tão-pouco dos outros sonhadores em particular, cada qual órfão de tudo
e, por isso, cada qual criador de nada e para nada. Cada qual a
precisar, afinal, apenas da Mãe, a mãe ventre e a mãe metáfora. A mãe
que nos salve disto tudo.
às
23:24
11.11.13
sede
Ainda penso em todos os homens que me perderam quando estavam, ou achavam que já estavam, muito perto de me ter. Durante a missa de hoje -- Evangelho da Samaritana -- pensei nos homens que quiseram muito ter-me, com ternura e animalidade. Mulheres também. Foram muitos e muitas os que quanto mais me quiseram, mais depressa me perderam. O Evangelho da Samaritana revela uma mensagem de sede. Descobrirei eu, algum dia, de que sede mais profunda padeço eu? O padre calou-se e logo o jorro de um grito na minha cabeça: "De que sede verdadeira sofro eu, meu Deus?"
às
23:23
9.11.13
derrotismo
Inside Llewyn Davis | 2013| Dir. irmãos Coen. /
Saving Mr. Banks |2013| Dir. John Lee Hancock. No primeiro, a
desolação do artista e do homem, que é sempre sustentável e muito bela
(mas só) do lado de lá da grande tela. Direi mais, a resignação
do homem e do artista à sua própria desolação. No segundo, talvez o
papel mais difícil de se desempenhar, quer na vida, quer na grande tela:
o da mulher que finge implacabilidade contra a sua invencível
desolação. Do lado de lá da tela, o projecto da dor que se projecta no
meu prazer imaginário; do lado de cá da grande tela, têm em comum, ela e
ele, a ineficiência do projecto artístico e humano, ou seja, apenas o
meu próprio e real derrotismo.
às
23:20
7.11.13
5.11.13
ela escreveu
"Je ne crois à rien et un peu à personne comme je doute de ma vie." Como se tivesse sido eu a escrevê-lo.
às
23:14
3.11.13
não-lugar
Tento
entrar num site para ouvir uma estação de rádio. O linque encaminha-me
para o seguinte dizer: "Desculpe, mas tentou chegar a algum sítio que
não existe, ainda". Rio-me particularmente do "algum" e mais ainda do
"ainda", e rio-me com uma determinada pena de mim mesma (aliás, muita
pena). Na verdade, há anos que não tenho tentado chegar a quaisquer
sítios certos; ora, há anos que, simplesmente, tento chegar pelo menos a
'algum' sítio. Não me admiraria, por conseguinte, que o linque, de
repente, me encaminhasse para o estado de mim mesma, o lugar que não
existe (ainda, dizem eles).
às
23:12
1.11.13
25.10.13
as três idades
Com
18 anos, eu empinava o nariz e dizia que saía a mim mesma,
presumidamente imune ao mundo, nada me perturbava. Na casa dos 20, eu
achava que nada me poderia influenciar a não ser eu mesma. Com trinta
anos, precisamente 33, a idade de Cristo morto, eu odeio todos os
momentos em que saio a mim mesma e à minha infinita fragilidade humana. De resto, muito sozinha nas três idades.
às
23:06
23.10.13
ensimesmamento
A
tendência, ao nível ironicamente salvífico das artes, será a do
ensimesmamento: cada um, à sua maneira, terá de aprender a melhor
maneira de sobreviver em si mesmo. Com mais ou menos sucesso, seremos, a
curto e a médio prazo, todos proustianos. Não há outro caminho a
trilhar face à violência acelerada e globalizante do mundo.
às
23:02
21.10.13
19.10.13
17.10.13
punctum do abismo
Uma fotografia minha a rir, de ar
aparentemente leve e feliz, «compra» indubitavelmente mais «gostos» do
que uma fotografia minha verdadeiramente melancólica, obscura,
ensimesmada, direi mais, captada no punctum do abismo. Chegámos a um
tempo em que nunca foi tão pertinente invocar para a leveza a sua
esmagadora insustentabilidade.
às
22:45
15.10.13
nick drake
Nick Drake tinha 26 anos quando, deliberada ou indeliberadamente, se matou. Aqui, o drama maior não consiste na sua projecção deliberada ou não para a morte, mas sim no facto de Nick Drake, como tantos artistas mais ou menos conhecidos, ter nascido para o limbo. Há dois fins possíveis para aqueles que nascem para o limbo: a morte deliberada ou a vontade permanente, mais ou menos cobarde, da morte não deliberada. Entrementes, a inevitabilidade do limbo impõe um único desafio e que não passa por se lhe escapar, mas por múltiplas tentativas de sobrevivência. Tenta-se, acima de tudo, sobreviver ao limbo através de duas atitudes principais: Primeiro, assumindo o mais cedo possível que se nasceu para o limbo (primeiro dos remédios sarcásticos). Segundo, peneirando-se o limbo dia-a-dia até que não restem mais sobejos à superfície dos dias, isto é, sacudindo-se a indefinição da vida o melhor que se pode, com ou sem a consciência de que a semente do trigo escapa sempre, ainda que para lugar igualmente incerto, ao joio da superfície da peneira. Ora, a morte, para quem deliberada ou indeliberadamente a antecipa, parece ser, simultaneamente, não apenas a última das incertezas, mas pelo menos o último grito que alivia (o remédio mais sarcástico), porque é ela quem poderá definir, doravante, o rumo da semente que o movimento do crivo foi tentando lançar à terra. Ao entregar o melhor de si à morte, aquele que nasceu para o limbo sabe que a semente encontrará definitivamente um dos dois possíveis caminhos: alguém a apanhará, alguém a meterá na terra e da terra dará fruto vivo, viverá de vez; ou, então, esquecida, não será lançada à terra, não dará fruto, morrerá de vez (a velha resolução bíblica, se assim quiserdes). Quem nasce para o limbo acredita, por isso, que a morte é o único veículo que resolverá o limbo. Através dela, ou se é atirado para o poço do esquecimento ou para a definição salvífica da reconstrução histórica (ironia da pós-vida na presunção do arquivo das memórias, se assim quiserdes). O urgente, para quem nasce para o limbo, não é, pois, a vida para a qual indefinidamente se nasceu e que tem de ser vivida a muito e todo o custo, mas a definição clara daquilo para o que se nasceu, nem que para isso seja necessário entregar à morte a mais irónica das resoluções dessa indefinição. Há, no meio disto tudo, uma questão que nunca deixará de ser eterna. Enquanto realmente vivos, há aqueles que se sentem indefinidamente no limbo da natureza-morta (os artistas são os mais atreitos). Depois de realmente mortos, como é possível resgatá-los em definitivo desse limbo, isto é, resgatá-los do limbo de si mesmos sem que os matemos uma segunda vez?
às
22:40
13.10.13
11.10.13
20 anos
Bastaria
recuar 20 anos. O meu mundo novamente sem telemóveis. Os telefones de
fio, os números metidos num disco. O meu mundo sem computadores. Somente
papel, a caneta, os ctt. O telefone a tocar sem sabermos quem do outro
lado. Bastaria recuar 20 anos, tantos, eu sei, já assim tantos, já
passaram tantos. Agora já digo como a minha mãe dizia há vinte anos sem
que eu fosse capaz de imaginar o que seria,
aliás, como seria sentir quando dizemos : «Há 20 anos, no meu
tempo...». Hoje, no jardim botânico, lembrei-me muito da colcha branca
sobre a cama da minha avó materna. Quis deitar-me sobre ela toda a
tarde. Quis deitar-me nela o resto da minha vida. Sem telemóveis, sem
computadores, a minha mãe com a minha idade de hoje, 33 anos, a minha
mãe a dizer-me «Há 20 anos...» e eu apenas só um instante no presente.
Eu apenas eu.
às
22:36
9.10.13
7.10.13
26.02.2014
Paco de Lucía. Nunca me passa pela cabeça que os meus heróis morram. A terem de morrer, que não morressem antes de mim.
às
22:27
5.10.13
3.10.13
pessoas comuns
A pensar no sofrimento das pessoas que, de tão excessivamente comuns, são as profundezas do meu Olimpo.
Ordinary People [Dir. Robert Redford | 1980]
às
14:27
29.9.13
edgar allan poe
Almada-Negreiros
parece ter definido muito bem o ofício monumental do tradutor: alguém
que inventa outra vez as palavras que já foram inventadas. Mas a arte de
traduzir não se fica por aqui, porque além da palavra que outra palavra
inventa, há o ritmo que prossegue a invenção e a imagem que sempre a
precederá.
Estou a ler os poemas de Poe traduzidos quer por Fernando Pessoa quer por Margarida Vale de Gato. A minha intuição diz-me que me parece bastante medíocre a tentativa tradutória de Margarida V. de Gato sobre os poemas do escritor americano. Por exemplo, nestes dois versos do poema The City in the Sea, no esforço de ir além da mera literalidade, a tradutora menoriza a função primordial, arquitectonicamente esmagadora, da imagem horrífica da morte sobre a cidade poética de Poe.
While from a proud tower in the town
Death looks gigantically down
Enquanto a morte altiva, na seteira,
Vigia a cidade, sobranceira
Fernando Pessoa, pelo contrário, traduziu magistralmente Edgar Allan Poe; a qualidade literária do nosso escritor faz dele um tradutor que extravasa a tradução meramente literal sem que o ritmo da palavra novamente inventada jamais traia as imagens que dão significado e sentido aos poemas de Poe muito antes da função literária das palavras de Poe.
Ora, para traduzir o verso Death looks gigantically down, é preciso, antes de tudo, ter-se a capacidade de subir à torre ou a coragem de assumir, sem tabus, que se está cá em baixo a ser permanentemente olhado pela morte gigantesca. Traduzir Poe é vê-lo antes de o ler e, acima de tudo, deixarmo-nos ser vistos por ele, por mais terrífica que seja a imagem desse olhar. Há, pois, todo um abismo que separa o verdadeiro tradutor do tradutor medíocre, tal como a morte separa o Homem da Vida.
(Terá Fernando Pessoa traduzido o mesmo poema? A tê-lo feito, porra, como fico em suspense nestes dois versos.)
Estou a ler os poemas de Poe traduzidos quer por Fernando Pessoa quer por Margarida Vale de Gato. A minha intuição diz-me que me parece bastante medíocre a tentativa tradutória de Margarida V. de Gato sobre os poemas do escritor americano. Por exemplo, nestes dois versos do poema The City in the Sea, no esforço de ir além da mera literalidade, a tradutora menoriza a função primordial, arquitectonicamente esmagadora, da imagem horrífica da morte sobre a cidade poética de Poe.
While from a proud tower in the town
Death looks gigantically down
Enquanto a morte altiva, na seteira,
Vigia a cidade, sobranceira
Fernando Pessoa, pelo contrário, traduziu magistralmente Edgar Allan Poe; a qualidade literária do nosso escritor faz dele um tradutor que extravasa a tradução meramente literal sem que o ritmo da palavra novamente inventada jamais traia as imagens que dão significado e sentido aos poemas de Poe muito antes da função literária das palavras de Poe.
Ora, para traduzir o verso Death looks gigantically down, é preciso, antes de tudo, ter-se a capacidade de subir à torre ou a coragem de assumir, sem tabus, que se está cá em baixo a ser permanentemente olhado pela morte gigantesca. Traduzir Poe é vê-lo antes de o ler e, acima de tudo, deixarmo-nos ser vistos por ele, por mais terrífica que seja a imagem desse olhar. Há, pois, todo um abismo que separa o verdadeiro tradutor do tradutor medíocre, tal como a morte separa o Homem da Vida.
(Terá Fernando Pessoa traduzido o mesmo poema? A tê-lo feito, porra, como fico em suspense nestes dois versos.)
às
14:13
27.9.13
burton | poe
Desde cedo muito inspirado por Edgar Allan Poe, Tim Burton percebeu que Poe é a função literária da imagem muito antes da função literária da palavra; palavra que existe, embora sublime, apenas para maquilhar a imagem. Poe é filme muito antes da existência do cinema. Adoro o Tim Burton, porque, entre o mais, ele é um dos maiores tributos da contemporaneidade fílmica a E.A.Poe.
às
14:10
25.9.13
capítulo: o homem de McQueen
Hunger [2008], de momento, continua a ser a obra-prima de Steve McQueen. 12 Years a Slave [2013] é incomparavelmente menor. De Steve McQueen, aprecio muito o modo como ele trabalha a arquitectura da interioridade dos seus homens (tanto em Hunger, todos os homens de Hunger, como em Shame), ambos filmes de linhas sinuosas, mas sem estrilho, avançam muito no silêncio da sombra, na força comovente do detalhe sem qualquer teleologia à vista. 12 Years a Slave é um filme demasiado exposto, excessivamente óbvio, de escolhas múltiplas e forçadas, historiograficamente confuso, demasiada história para quem me habituou à completude de um só capítulo: o capítulo acima de tudo o Homem aquém da História. Para continuar fiel a ele mesmo, bastaria a McQueen fazer de "12 anos escravo" um capítulo apenas da grande história da escravatura (bastaria, pois, que não dispersasse o Homem dele mesmo tal como tão bem fez nos filmes anteriores; bastaria que continuasse a encerrar num só homem o(s) tema(s) alargado(s) da humanidade). No todo, Michael Fassbender, que, ao contrário de Chiwetel Ejiofor, teria merecido bem mais a nomeação para o Oscar de melhor actor principal, continua sempre muito bom nos filmes de McQueen: do seu melhor filme, o primeiro, à desilusão inesperada do último.
às
13:45
23.9.13
a actriz evidente
O filme August: Osage County [Dir. John Wells | 2013]
é, em suma, uma peça de teatro. Começa com uma citação de T.S. Eliot:
"A vida é muito longa", mas poderia perfeitamente começar na primeira
frase de "Anna Karenina" [Tolstoi]: "Todas as famílias
felizes se parecem; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira."
Infelizes e de que maneira. Nada de surpreendente ao longo do
filme -- quem vem de uma família perfeita que levante a primeira pedra
-- não fosse a revelação da banda sonora de Adam Taylor,
injustamente não nomeada para o Oscar. O que eu pretendo fortemente
destacar neste filme é a maior das evidências da História do cinema
universal: Meryl Streep. Meryl Streep é a actriz que deve ser
obrigatoriamente nomeada para tudo quanto é prémio; Meryl Streep é a
actriz que deve ganhar todos os prémios para os quais tenha sido nomeada, isto
é, independentemente de uma outra actriz ganhadora, deve haver
sempre a certeza de um prémio em duplicado, porque Streep -- actriz evidente -- como os
génios, porque é um génio, já nasceu vencedora.
às
13:18
21.9.13
adam taylor
Estas descobertas quilham-me toda, porque alteram o esquema do meu desprezo pelo mundo. Entre mim e os meus auriculares -- relação protésica sem a qual eu não poderia viver -- descobertas destas trazem-me a gostar um bocadinho do mundo. Adam Taylor. Um dos compositores da banda sonora para o filme August: Osage County. Adam Taylor, um nome que, espero, virá a dar que falar.
às
13:16
19.9.13
minoria maioritária
No
âmbito da emergência de novos mecanismos de regulamentação das maiorias e
das minorias sociais (para não lhes chamar novos mecanismos de
democratização fascista), não acredito na existência da minoria
homossexual. Acredito na existência ensombrada de uma maioria bissexual à
escala mundo. Eu própria sinto-me partícula de uma força heterogénea
inexplicável, jamais categorizável e certamente maioritária.
às
13:11
17.9.13
15.9.13
missão
La Grande Belezza [Paolo Sorrentino | 2013]
Filme
repleto de lampejos de grande beleza, não só pelas pequenas partículas
esperadas e inesperadas da vida, mas por tudo. Sorrentino resume o que
ando a fazer da minha vida há 33 anos. Ando, só, tal como Jep Gambardella, à procura da grande beleza. É muito simples: ando, só, só à procura da grande beleza.
às
13:04
13.9.13
11.9.13
20.02.2014
Noite de Fevereiro de 2014. De vez em quando, vou à janela observar as prostitutas da Rue de Monthoux. Ao longe, as torres iluminadas da Catedral de S. Pedro erguem-se no sentido contrário ao da chuva. É só isto. O resto é tudo.
às
12:46
9.9.13
autobiografias
Uma
grande citação para as minhas próprias biografias: "I've lived a number
of lives. I'm inclined to envy the man who leads one life, with one
job, and one wife, in one country, under one God. It may not be a very
exciting existence, but at least by the time he's seventy-three he knows
how old he is." | John Huston
às
12:38
7.9.13
homem em si mesmo
Her [Spike Jonze/2013] não é um filme que
coloca o futuro dos Homens em laboratórios virtuais. O que ali a
dimensão virtual traz de novo não é a experiência protésica que
desmaterializa o Homem e o mundo reais, mas sim a nova experiência maquínica
que, enxertada na pele humana, vem, pelo contrário, intensificar muito
mais a dimensão da experiência sensível do humano e do mundo reais. A
experiência da realidade sensível ganha, pois, alargamento no
laboratório virtual, no entanto, o Homem de Her não é o Homem da nova
sensibilidade artificial, mas o Homem que, agora a partir de novos
corpos de mediação simulacral, não escapa jamais ao retorno ao tempo e
ao espaço da sensibilidade antiga. Neste filme belíssimo e esmagador,
nunca o Homem poderia ter sido mais colocado em si mesmo.
às
12:35
5.9.13
antes | depois
Dallas Buyers Club [Dir. Jean-Marc
Vallée/2013]. Nunca pensei que chegaria o dia em que, sem qualquer
margem para dúvidas, eu haveria de dizer que Matthew McConaughey é um
retumbante merecedor do Oscar. Só me lembro de um caso metamórfico similar
com Nicole Kidman. Há uma Nicole Kidman antes de The Hours [2002] e uma
Nicole pós The Hours. Dallas Buyers Club veio -- espera-se que
definitivamente -- resgatar McConaughey da mediocridade, enxertando
nele, doravante, o que de melhor pode dar um actor de grandes filmes.
às
12:30
3.9.13
1.9.13
emigração
Emigrar não é procurar paz noutro lado do mundo. Procurar paz tenho-o feito desde os meus três anos de idade e nunca a achei em banda nenhuma. Emigrar é sair uma só vez do ventre da mãe; emigrar é sair uma última vez dos olhos da mãe. Não se altera, em nenhuma das vezes, a falta de paz.
às
12:18
27.8.13
25.8.13
as consequências do amor [2]
Quem me conhece sabe que não legitimo sistemas. Eu só legitimo o amor, consciente das suas infinitésimas consequências.
às
21:47
23.8.13
le conseguenze dell'amore [1]
Non sottovalutare le conseguenze dell'amore.
[Paolo Sorrentino | 2004]
às
22:10
21.8.13
19.8.13
17.8.13
15.8.13
11.8.13
dolores
Dolores Claiborne é, em suma, a história de
três mulheres sofridas, amarguradas e sozinhas. Vera, Dolores e Selena. A
dado momento, Vera vira-se para Dolores e afirma: «Por vezes, uma
mulher para sobreviver tem de ser uma grande cabra.» Dolores
dirá o mesmo a Selena e Selena devolverá, igualmente, a frase a
Dolores. Cada uma na sua geração, cada uma na sua dor, um coração
francamente bom em cada uma. Um filme que diz que nem todas as cabras
são más mulheres. Um filme que ensina a diferença entre uma cabra
com coração e uma cabra sem coração.
[Dolores Claiborne | Taylor Hackford |1995]
às
21:04
9.8.13
assimetrias
Acabei
de escrever um e-mail longo, e até bem bonito, a uma pessoa de que gosto
tanto; escrevi-o sentada na sanita. Isto não é ironia, sarcasmo ou metáfora. É o
sentido extraordinariamente assimétrico de que está impregnada a minha
vida. Já tenho escrito e-mails absolutamente fodidos e vis nas mais
belíssimas e perfumadíssimas circunstâncias de tempo-lugar.
às
20:50
7.8.13
vírgula
O que
me irrita ou exulta mais em certas pessoas não é o modo como falam, mas
como nas suas vozes se sente e pressente o uso mais ou menos
estonteante das vírgulas. Isto
não se explica, sente-se. A vírgula é uma relação súbita de
intensidade, de movimento, entre duas palavras. Não se explica,
sente-se. Indica-me sentido antes do paradigma estanque (da procura) do
significado.
às
23:00
5.8.13
3.8.13
como no amor
O momento da queda difere de Homem para Homem, excepto na singularidade do inevitável e finalmente só que iguala todas as quedas. Quando o Homem cai, a rir ou a chorar, cai sempre sozinho. Como no amor.
[1ª fotografia: Garry Winogrand -- Untitled -- 1950's | 2ª fotografia: Richard Drew -- The falling Man -- from the WTC at 09:41:15 -- 11.09.2001]
às
10:23
27.7.13
23.7.13
silêncio [II]
Barbara [2012, Christian Petzold]. Barbara é um tríptico melancólico. Uma condição política de espaço-tempo [Alemanha de Leste - anos 80]. Uma mulher com olheiras, visivelmente cansada, dentro daquela condição. Os planos do vento contra as árvores em contraste com a cor imóvel e pálida dos corredores de um hospital. Barbara é um tríptico simples sobre múltiplas concepções divisórias da vida; no contexto específico da Alemanha antes da queda do muro e no contexto mais lato do ser humano em constante reedificação. E tudo isto tratado de um modo simples, sem abalos, sempre no propósito de um silêncio que supera a saturação política; a cor do silêncio como ritmo central e último do tríptico.
às
13:45
21.7.13
silêncio [I]
Há um assunto sobre o qual não há terapia possível. A morte. A perda irreparável dos que amamos só nos leva para um caminho que, não sendo solução ou terapia que se faz no encalço de uma solução, é, pelo menos, um desafio. O desafio de sabermos lidar com as palavras que não somos capazes de dizer, o desafio de sabermos lidar com as palavras que não existem a não ser no espaço da ausência total das coisas visíveis, o desafio de aprendermos o verdadeiro significado do silêncio, a ocupação verdadeira do silêncio, a importância do silêncio de que tanto precisamos, de que o mundo tanto precisa, e que só as grandes despedidas nos ensinam. O silêncio que a morte nos ensina é puro e humilde. É como o abraço de uma criança que sente frio a meio da noite.
às
13:30
19.7.13
status
Este
estado de fronteira onde nem sequer estás, mas em que indefinidamente
te sentes. Um lugar sobre o qual não é possível dizer aqui, ali, acolá, longe ou perto. Não é lugar de batalha, não é lugar de morte,
mas também não o é de vida; não é lugar de luz ou de sombra, não é lugar
vazio ou cheio, não é céu nem terra; é lugar onde a tábua se fez rasa,
mas para ser ainda mais tábua. Oxalá só uma tábua. Só uma coisa
concreta, não pedes mais nada, pelo menos uma coisa concreta. Uma coisa
que alguém possa tocar para de ti dizer apenas isto: Ah, estás aqui,
ali, acolá, longe, perto. O lugar em que, independentemente de tudo, estás.
às
17:19
17.7.13
homens | mulheres - mulheres
Gosto tanto de homens femininos, aqueles que chamam as suas mulheres pelos nomes delas, isto é, mulheres. Esse homem, feminino, de mãos bravas e corpo de ninho, continua tão impossível quanto a Dulcineia do Quixote. Valha-nos a nós, mulheres, as mulheres que são mulheres.
às
16:55
15.7.13
astrid heeren
Spaghetti Alla Bolognese. Enquanto mexo a
carne com a colher de pau, penso nos dentes de Astrid Heeren. A boca a
diluir-se lentamente como um fim de dia; a aparição subtil dos dentes,
já um pouco sinuosos e escurecidos nos intervalos, como um pecado. Gosto
tanto de me ocupar na cozinha.
às
16:45
11.7.13
9.7.13
7.7.13
ocupação preferida: amar
Sinto tanta pena das pessoas que deixaram de saber amar. Sinto tanta pena das pessoas que não se deixam amar. Já não são exactamente pessoas; são moluscos fechados, moles de carácter, uma pequena animação encarquilhada, sem sorriso e sem dignidade. Não sinto raiva nem desprezo por estes pequenos seres animados. Apenas pena. Uma pena profunda, uma pena cancerosa.
às
16:07
3.7.13
30.6.13
27.6.13
24.6.13
amor | deserto
O
amor, esse motivo pelo qual se pode falar de filmes grandes. O deserto
como dimensão sagrada da vida e da morte. Embora paciente, um amor definido nos extremos
dessa dimensão.
às
23:29
22.6.13
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