A cidade lembra-me frases soltas e feias que me desagradam, mas que, ainda assim, são belas à luz da hermenêutica Preisner, do atlas Glass, dos detalhes Sakamoto. De tudo faço um esboço à mão levantada, como se fosse arquitecta, uma arquitecta da intimidade. Não é nada fácil esboçar a diferença entre o ritmo dos passos de um comerciante charmoso e os de um operário sujo com olhos de chama. É difícil escrever a linguagem das flores nos canteiros das janelas e das ervas daninhas dos jardins abandonados. Observo, por exemplo, os pais que levam as crianças à rua sem que lhes expliquem para que serve uma rua, uma estrada, um mapa, e não sou capaz de traçar uma única frase que explique a violência das relações. Por certo, um mapa não servirá para nada, mas há tanto por onde se falar sobre nada. Os corpos e as coisas dados à minha observação não são suficientes para que deles se trace uma única linha, porque escondem uma série de potencialidades figurativas, escondidas, secretas, dominadas pelo princípio da vida: metamórfico, insatisfeito e inquieto. Tudo o que é feio e belo leva já em si a potência do embate tectónico emergente da profunda incerteza das coisas feias e belas. E tudo me parece emocionalmente violento, difícil e quase impossível, porque as emoções só fazem sentido se forem violentadas e dessa violência se ultrapasse o limite das coisas meramente visíveis.