«Amarcord», de Fellini. 1973. Vê-lo como quem revê, com outra espécie de
maturidade, as origens antropológicas. Para quem nasceu, viveu
(no meu caso) ou vive, cresceu ou cresce parte ou grande parte da sua
vida no Norte de Portugal, ver ou rever «Amarcord» corresponde a uma
viagem no tempo; corresponde a uma revisitação à maternidade popular
mediterranicamente mais entranhada e aos desejos mais puros da
"adolescência", ainda que amiúde atropelada pelas fantasias mais
secretas da libido. A sala de cinema não estava plenamente composta, mas
deu para criar um ambiente de gargalhadas colectivo, mas também, e
principalmente, de risos que despertavam, aqui e acolá, da memória
distante de apenas alguns. A memória de quem viu e viveu a algazarra das
aldeias nortenhas de Portugal, de quem sabe de que cepa são feitas
aquelas mães, de quem se deixou contagiar por uma erótica antropológica
cuja química se escondia das mães e dos padres no genuflexório da culpa. «Amarcord» reflecte bem a trilogia salazarista em tudo semelhante à
fascista italiana e que, no Norte de Portugal, por comparação com o resto
do país, ainda se oferece escancaradamente a quem, tendo mérito para
tal, ouse levantar uma câmara de filmar e refazer um «Amarcord» à portuguesa. A
terra de onde venho é um microcosmos veemente de tudo isto. «Amarcord»,
de uma comicidade rústica à boa maneira da festa na aldeia do Tati, e
de uma seriedade tão própria das mães viscontianas, é um filme tão
detalhado como paradigmático; tão exótico como matricial. Não sei o que
sentiria, depois de o ver, se tivesse nascido para ser ou representar durante uma vida
inteira uma mãe Miranda Biondi, uma prostituta Volpina ou uma daquelas
professoras de Antigo Regime. Sei o que senti sendo sandra costa, vinda
de um meio tão parecido e com a capacidade (sabe Deus de onde virá) de
desconstruir as muitas imagens e personagens que cada pessoa, em si
mesma, representa. Sou, pois, esta sandra costa que se emociona com «Amarcord» e que ainda se despede daquele tempo como quem diz, carregada de
nostalgia: "Addio, Gradisca".