24.11.12

projectos de vidro [III]

Este bloco de notas serve o gosto pelo recorte de tendências, não fazendo delas colecção. Por exemplo, a solidão e o desejo são duas tendências entre as mais, embora destas, como de todas, me ocupe com outro cuidado por serem feitas de vidro. Bole-se muito no vidro e ele parte. Há numerosas inclinações feitas de vidro, que não importam tanto como textos quanto a experiência de dor e de alegria que as mesmas comportam e que do texto se desvia. Ou, se calhar, é tudo ao contrário, é o que vos digo. Os textos não quebram, os livros tropeçam do escaparate, abrem-se no ar e as folhas não quebram no chão; no papel o traslado fonético não perturba como o grito da boca que ao tom deu a ideia de grito e, no entanto, os textos são a experiência misteriosa das pequenas percepções invisíveis: a alegria ou a dor de sermos o que nunca fomos, a alegria ou a dor de reencontrarmos os lugares onde nunca estivemos, a linha de tempos outros que recordamos como nossos ou a variação de corpos que sempre entroniza os limites de um só corpo.
Aquilo que se convencionou chamar realidade é tão-somente um esboço de ficção que estorva a dimensão de uma experiência inteira e só aparentemente periférica - uma experiência de texto. Uma experiência de texto é uma experiência que totaliza o fragmento de qualquer vidro, atribuindo-lhe a importância que é devida à intensidade da coisa mutilada. Aquilo que se convencionou chamar realidade é uma ficção que mata o Homem sem que lhe tenha consentido a vida.

[projectos de vidro I  e  II]